As inferências indutivas obedecem a um estatuto que exclui as singularidades, o acaso e as particularidades das formas de ser. Retratam o quadro uniforme da experiência. Carecem de aptidão heurística.
A Teoria da Probabilidade, eixo maior do indutivismo, é constituída de poucos axiomas dirigidos à refletir dados e fatos tomados em abstrato. Só tem validade como signo da frequência relativa de eventos que se repetem em séries. Muitas ocorrências de relevância, como as predições, as crenças, o acaso e as postulações sobre singularidades não podem ser avaliados pelas regras probabilísticas. A probabilidade não se aplica a ocorrências únicas, como o desencadear de uma guerra, o fim de uma recessão ou o resultado de uma cirurgia. Lógica e razoavelmente não há razão alguma para considerar que se um certo número de A’s observados são B, então a generalidade dos A serão B’s. O que se pode saber de certo é somente que alguns A são B.
Um exemplo prático do vazio heurístico da indução é o do tabu do incesto. Apesar de generalizada, a interdição do consórcio entre irmãos e primos não têm fundamento na ciência. O que supõe, tanto na genética como na biologia, é o enfraquecimento do sistema imunológico e a propagação de enfermidades. Trata-se de mera conjectura. No entanto, postos ante os fatos, a maioria dos ocidentais tende a reunir argumentos para sustentar a interdição, não importando quão completamente esses argumentos sejam demolidos. Como todo tabu, a base empírica é distorcida pela tradição e pela opinião dominante.
A justificação teórica sobre uma base estatístico-indutiva oferece uma agenda de estudos positiva e outra negativa. A positiva é a da elucidação dos processos. A negativa a da condenação dos julgamentos se separam das restritas leis da probabilidade e das incertas tradições. Tanto uma vertente como na outra tem o vezo de bloquear a intuição, que é uma das fontes melhores dos eventos heurísticos.
O objetivo da ciência é o de suprimir a ignorância pela capitalização de conhecimentos. Essa diretriz elide o fato de que o conhecimento novo é acarretado pela ignorância. A ideia de progresso ilimitado, que acompanhou o surgimento da ciência moderna, permanece seu princípio inspirador. Os sacramentos de capitalização e de progressão fazem com que se mova entre erros e enganos corrigíveis e que bloqueie o acesso ao totalmente ignorado.
O mais danoso desse fechamento é o critério da cientificidade: a evidência. A evidência – aquilo que se vê – pertence ao campo do aparente, e é da natureza do aparente tanto revelar como esconder. Daí que toda correção e toda desilusão na trajetória científica impliquem em circularidade: na “perda de uma evidência apenas porque é a aquisição de outra evidência”, nas palavras de Merleau-Ponty.
A ciência percorre o caminho seguro do “melhor e melhor ainda”, do “verdadeiro e ainda mais verdadeiro”. A implicação é que o evento heurístico, quando, e se ocorre aos cientistas, requer que a alforria dos procedimentos sob os quais operam.
UTILIZE E CITE A FONTE.
REFERÊNCIAS:
Black, Max (1953) Problems of analysis. Philosophical essays. Ithaca. Cornell University Press.
Finetti, Bruno de (2017). Theory of probability. New York. John Wiley and Sons.
Gilovich, Tomas & Dale Griffin – Introduction: heuristics and biases, then and now. In, Gilovich, Thomas; Dale W. Griffin, Daniel Kahneman (eds.) (2009) Heuristics and biases: the psychology of intuitive judgement. New York. Cambridge University Press.
Haidt, Jonathan (2013) The Righteous Mind: Why Good People Are Divided by Politics and Religion. UK. Vintage Books
Keynes, John Maynard (1921). A treatise on probability. London. Macmillan.
von Mises, Richard (1957) Probability, statistics and truth. New York. Macmillan
Curtir isso:
Curtir Carregando...