
Em que medida o declínio do trabalho presencial invalidará as normas que o regem?
A questão procede, dado que os códigos de rebanho, que servem para manter unidos e direcionados os corpos e as mentes, são inúteis para adestrar o trabalhador em um mundo de corpos ausentes e mentes livres.
Regras impositivas, como a de cumprir horários; ou insensivelmente toleradas, como a de ouvir com resignação as sandices discursivas dos dirigentes, deixarão de ter sentido no trabalho não presencial. Já as regras indicativas, como a de usar um pano colorido atado ao pescoço, ou realizar tarefas não contratadas, serão inaplicáveis.
Por terem apoio somente na presença física, as sanções organizadas – reprimendas, suspensões, transferências, desligamentos – cairão em obsolescência irreversível. Também as sanções difusas de constrangimento gregário – menosprezo, sarcasmo, insultos, ameaças veladas, indignações – caducarão em um mundo impessoal. Essas mutações já vêm esgarçando a tessitura das convenções dominantes.
O management havia avançado tanto que, em muitos segmentos, a internalização das normas transformara os trabalhadores em formigas autodisciplinadas. Quando pisamos em uma carreira de formigas, as sobreviventes se dispersam em todas as direções para logo se reorganizarem. Com o advento da tecnologia digital, os trabalhadores se tornarão indivíduos de uma coletividade temporária e distante. Ocorrências como a pandemia, práticas como as da subcontratação oculta e incidentes como o imprevisível flutuar das redes gerarão efeitos dispersivos, nos espalhamos para todos os lados, mas sem recomposição posterior.
Não somos formigas. Só no limite da vida e das afeições somos guiados por instintos. As pulsões, as emoções e, mesmo, a razão lógica são instáveis e pessoais. Os funcionários, empregados e contratados não voltarão a caminhar na mesma direção até que outras normas sejam estabelecidas, seus processos inculcados ou aceitos.
Deixamos de ser amestráveis. Antonio Gramsci disse famosamente que se alguém trata o trabalhador como gorila amestrado ele se comportará como um gorila amestrado. Não somos como os gorilas. Há perplexidade, porque ninguém sabe como impor normas a trabalhadores autárquicos. Seres que se colocam acima da jaula institucional, que se congregam à distância, que debandam com facilidade.
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REFERÊNCIAS.
Gramsci, Antonio (2008). Americanismo e fordismo. Tradução de Gabriel Bogossian. São Paulo: Hedra.
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