Freud pensava que o tabu de um rei é tão forte que os súditos não têm forças para o interpelar. É necessário que alguém, que cause menos temor, medeie a relação entre ambos. A observação é perspicaz. Não fica clara a sua origem.
Ao refletir sobre a intermediação hierárquica é possível que Freud se reportasse à figura dos anjos hebreus, contraface dos santos cristãos no relacionamento entre a divindade e os mortais. Talvez, como colecionador de estatuetas de povos politeístas, que chamava de “utensílios de imaginação”, Freud tenha pensado em um deus dos deuses, o poder supremo que governa o mundo, destituído de interesses e de inclinações e que, portanto, não está ao alcance dos mortais.
Nunca saberemos o que inspirou a observação freudiana. O que temos confirmado, graças à antropologia, é que as relações entre humanos e seres totêmicos necessitam de mediação. A fé dos Iorubas, por exemplo, que herdamos da África e que Freud não conhecia, considera que os deuses nasceram de um deus supremo – Olodumare. Por isso os cultos afro consideram idolatria a mediação de sacerdotes ou interpostos profissionais.
Talvez o sincretismo entre a cultura europeia e as culturas afro ajude a nos proteger dos totens institucionais que anulam as identidades. Nos prepare melhor para o advento trabalho à distância, com a dissolução dos lambe-botas, dos gerentes-pastores que têm o encargo de intercederem junto aos deuses organizacionais, apascentando seres humanos com a farsa de que suas opiniões e reclamos estão sendo ouvidos.
REFERÊNCIAS:
Freud, Sigmund (2013). Totem e tabu. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo. Penguin
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