Anarquismo – clarificação.

Perplexidades.

Plantation d’un arbre de mai, peinture allemande anonyme, 1792-1793

O termo “anarquismo” é polissêmico. Nomeia um ideal, uma convicção e uma doutrina filosófica. O ideal é o do convívio fraterno entre os seres humanos. A convicção é a de que inexiste uma hierarquia política que seja eticamente justificável. A doutrina advoga uma ordem igualitária superior, em que os monopólios e as instituições coercitivas deixassem de existir.

As concepções do anarquismo contemporâneo dão como objetivo o aprimoramento social e individual. Os seus adeptos procuram favorecer as condições em que as formas de opressão possam ser suprimidas, não pela força, mas por sua dispensabilidade. Continuar lendo

Michelangelo – a escultura da existência.

Perplexidades.

Pietà Rondanini

Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni, escultor, poeta, pintor contra a vontade e filósofo sem o saber viveu e produziu até os 89 anos, numa época em que poucas pessoas chegavam a ultrapassar os 50.

Em uma carta a Benedetto Varchi, Michelangelo escreveu “entendo por escultura o que se faz a força de tirar; o que se faz a força de pôr, é similar à pintura”. Coerentemente a sua vocação, durante toda a vida adulta ele cuidou de esculpir a matéria e a própria existência, tirando dela o superficial e o excessivo.

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Sonhar, estratégia heurística.

Epistemologia.

Vladimir Kush

Os sonhos são saberes, escreveu Paul Valéry. Tinha razão. Os sonhos e os devaneios são repletos de ideias. Mas, em sendo efêmeros, condicionados e circunstanciais, não servem para concluir, só para configurar. Por esse motivo, o sonho, objeto indissociável da psicanálise, tópico privilegiado das neurociências, e o devaneio, o sonhar acordado, tema recorrente entre os filósofos e os poetas, são ignorados pelas disciplinas positivas. Um prejuízo deplorável.

A psicanálise diz que o sonho é uma porta para o inconsciente. Que do omitido e do frequentado enquanto dormimos é possível inferir os traumas que causaram as neuroses. Pode ser. Mas existe um outro lado dos sonhos: o da solução de problemas, reais ou imaginários, que nos atormentam. Dormir sobre o problema é uma expressão antiga, mas não destituída de sentido. Muitas vezes em sonhos descobrimos soluções, inventamos coisas que, despertos, não nos ocorreriam.

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Heurística – Tomar consciência: o explanandun e o explanans.

Epistemologia.

Le désespoir, par Edvard Munch

Uma coisa é a explicação de tudo o que há. Nunca alcançaremos inteiramente tal propósito. Mas é nessa direção que marcha a ciência. Outra coisa é compreender a essência do que há. Esse o caminho da filosofia. O trânsito é lento, a rota acidentada, o destino incerto. Retornamos a cada passo. Vamos muito vagarosamente, quase não saímos do lugar.

Sabemos pouco sobre como a consciência toma consciência de uma realidade. Temos dificuldades imensas em compreender como compreendemos. Ignoramos totalmente como a consciência toma consciência da consciência ….  A filosofia aguça a vista, mas por mais longe e por mais claro que enxerguemos, há sempre um além inapreensível. A reflexão é como um jogo de espelhos. Ecoa a si mesma infinitamente.

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Heurística – o distanciamento estratégico.

Epistemologia.

Na sua casa de campo, em Grandval, no Puy de Dôme, Paul Thiry, barão D’Holbach, recebia generosamente a elite intelectual da França. Diderot contou que essas estadias eram repletas de conversações inebriantes, cosmopolitas, acolhedoras e extremamente cultas. Rousseau chamava de coterie holbachique ao grupo que ali se reunia. Uma congregação que desdenhava da mundanidade governada por regras de etiqueta e louvava a solidão do pensador, livre de horários e compromissos.

Diversamente de Aristóteles, que pensava que só nos dedicamos à vida ativa para alcançar o momento do scholé, da liberdade de contemplar, Thiry e Rousseau concordavam que o prazer de viver e a inventividade vêm de si mesmos, da própria existência, da autossuficiência ainda que temporária, do homem natural.

Para o Filósofo, a conduta propicia à descoberta e à invenção requeria fugir da vida ativa, o que significava fugir da política. Para os filósofos da Ilustração, a veia heurística emergiria do distanciamento do trabalho, da produção e do mercado. Em Rousseau na forma do isolamento pessoal. Nos outros, na forma do congraçamento entre iguais. Estratégias de distanciamento intelectual que se justapõem com proveito.

UTILIZE E CITE A FONTE.
CHERQUES, Hermano Roberto Thiry (2023). A Ponte – Heurística – o distanciamento estratégico. – https://hermanoprojetos.wordpress.com/2023/07/12/heuristica-o-distanciamento-estrategico/
REFERÊNCIAS.
Aristóteles (1982). Obras. Madrid. Aguilar de Ediciones: Ética a Nicômaco
Boulad-Ayoub, Josime (1992). D’Holbach, le maitre d’hôtel de la philosophie. In, Paul Henri Thiry, Baron D’Holbach. Corpus Revue de Philosophie. 22/23
Hubert, René (1928). Holbach et ses amis Paris. A. Delpeuch.
Rousseau, Jean-Jacques (2019) Rousseau, Juge De Jean-Jacques. http://www.hardpress.net. Hardpress Publishing

CONCEITOS e DEFINIÇÕES: O Significado em Pesquisa Aplicada nas Ciências Humanas e Sociais.

Notícias.

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Sem pretender fixar uma forma única de abordar o tema da conceituação, o texto recupera o pensamento filosófico e as contribuições das ciências humanas e sociais para fundamentar soluções do cotidiano do pesquisador, como a formação do conceito, a crítica das definições, a identificação de protótipos e a construção de indicadores.

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CONCEITOS e DEFINIÇÕES: O Significado em Pesquisa Aplicada nas Ciências Humanas e Sociais.

Notas.

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A coruja de Minerva – pós-reflexão.

Notas.

Georg Wilhelm Friedrich Hegel escreveu que “coruja de Minerva abre suas asas somente com o início do crepúsculo”. A coruja de Atenas ou de Minerva, na tradição romana (Athene noctua) representa a deusa da erudição, do conhecimento, da sabedoria que só alça voo ao final da longa reflexão na lucidez do dia. Simboliza o fato de a filosofia não pode ser prescritiva, porque entende apenas a posteriori.

UTILIZE E CITE A FONTE.
CHERQUES, Hermano Roberto Thiry, 2022 –  A Ponte: pensar o trabalho, o trabalho de pensar.  https://hermanoprojetos.com

Jon Elster – Moralidade e emoção.

Ética.

Jon Elster mostrou que a ética substancial não é regida nem pela razão, nem pelos interesses, mas pelas emoções.

Impossíveis de serem normatizadas, as emoções constituem valores irrefletidos, que atendem às solicitações individuais e, confusamente, aos requerimentos dos grupos identitários.

Abandonadas pela filosofia, as emoções ou bem são tidas por signos referenciados à conservação e ao desenvolvimento vital, como em S. Tomás e Sartre, ou são consideradas como “vãs opiniões” e “pensamentos confusos”, como em Spinoza, Leibniz e Hegel, que lhes negam significado.

A dificuldade em se aplicar uma lógica às emoções reside em que a transmutação dos sentimentos em valores é um fenômeno inconsciente. Nós os racionalizamos, mas não temos como chegar racionalmente à sua origem. A inveja, por exemplo, não comporta a avaliação da pessoa invejada. Nietzsche, a atribuiu ao ressentimento, Freud, aos mecanismos de defesa, Festinger ao esforço de redução da dissonância cognitiva. A mesma indeterminação se passa com o amor, com a ira, etc.

Nem mesmo Elster pretendeu definir cabalmente as emoções. Seu esforço foi no sentido de chamar a atenção para que a vida social produz uma tendência a querer abonar ou desculpar – para os outros e para nós mesmos – as ações mais irrefletidas como sendo racionais, e as ações mais egoístas como sendo de interesse geral.

Embora ninguém tenha descrito satisfatoriamente o processo que leva a reinterpretarmos o sentimento como razão, é fato que temos necessidade de justificar nossas condutas emocionais a nós próprios. A autojustificação se dá pelo ingresso a posteriori de uma transmutação da inveja em indignação, da frustação em moralismo, da ignorância em desprezo, …. Ao cabo, os menos avisados tendem a justificar o desregramento como norma e a contingência como necessidade.

Na Declaração dos Direitos do Homem, de 1789, a tolerância foi associada à indulgência para com o pecado, à concessão para com os divergentes e à liberação dos costumes.

No século XIX, John Stuart Mill (1806-1873) avançou razões para defender o direito à liberdade individual ante as coações sociais. Alegou que há uma esfera de ação privativa do vivente sobre a qual a sociedade não pode e não deve interferir. Engendrou as ideias de tolerância para com as diferenças e de que o público e o privado são esferas distintas, cerne do liberalismo moderno.

Em outra vertente do pensamento, o anarquista Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865) endossou o argumento libertário, que diz que só com a tolerância completa seria possível fazer aflorar as falsas ideias, e que isso as anularia. Paralelamente, o positivista Auguste Comte (1798-1857) pregou a tolerância utilitária. Seria aplicada em um primeiro momento como parte do “processo crítico”. Depois, quando se alcançasse uma nova Etapa da História, a tolerância deixaria de ser admitida, dado que poderia conduzir à dissolução. Mais adiante, à esquerda do pensamento, Antonio Gramsci (1891-1937) pregou que a tolerância limitada. Necessária para que o coletivo chegasse a uma decisão racional sobre as finalidades do Partido. Uma vez estabelecidas as metas a serem alcançadas, deveria haver intolerância absoluta, sob pena de diversão e fracasso.

No segundo termo do século XX, o tema voltou à discussão com o conceito de “tolerância repressiva” de Herbert Marcuse (1898-1979), quem sustentou que a condescendência com os dissidentes na sociedade liberal tem o propósito de servir não para a emancipação dos grupos e das pessoas, mas para adormecer os impulsos libertários.

Para nós, no século XXI, permanecem relevantes os argumentos de Mill, Proudhon e Marcuse. Mostram como a autodeterminação é viciada pelas instituições e evidenciam que só a intolerância com o radicalismo despótico pode nos livrar da destruição da liberdade.

 

UTILIZE E CITE A FONTE.
CHERQUES, Hermano Roberto Thiry, 2022 – Jon Elster – Moralidade e emoção. – A Ponte: pensar o trabalho, o trabalho de pensar – https://hermanoprojetos.com/2022/05/18/jon-elster-moralidade-e-emocao/
 
REFERÊNCIAS:
Elster, Jon (2007) Explaining social behavior. New York. Cambridge University Press.
Festinger, Leon & James M. Carlsmith (1959). Cognitive consequences of forced compliance. Journal of Abnormal and Social Psychology, 58, 203-210.
Freud, Sigmund (1996) As pulsões e suas vicissitudes (1915). Edição Standard das Obras Completas (ESB). Rio de Janeiro. Imago.
Nietzsche, Friedrich (2005). Humano, demasiado humano; Tradução e notas Paulo César de Souza; São Paulo; Companhia das Letras.

 

Silenciar até mesmo sobre o próprio silêncio.

Notas.

“Numa recolha de fábulas dos fins da Antiguidade lê-se este apólogo:

Os atenienses tinham por hábito chicotear a rigor todo candidato a filósofo, e, se ele suportasse pacientemente a flagelação, poderia então ser considerado filósofo. Um dia, um dos que se tinham submetido a essa prova exclamou, depois de ter suportado os golpes em silêncio: ‘Agora já sou digno de ser considerado filósofo!’. Mas responderam-lhe, e com razão: ‘Tê-lo-ias sido, se tivesses ficado calado’.

A fábula ensina-nos que a filosofia tem certamente a ver com a experiência do silêncio, mas que o assumir dessa experiencia não constitui de modo nenhum a identidade da filosofia. Ela está exposta no silêncio absolutamente sem identidade, suporta o sem-nome sem encontrar nisso um nome para si própria. O silêncio não é a sua palavra secreta pelo contrário, a sua palavra cala perfeitamente o próprio silêncio.”

AGAMBEN, Giorgio (2012). A Ideia de Prosa. Tradução de Jpão Barrento. BELO HORIZONTE. AUTÊNTICA EDITORA, PG 110.
UTILIZE E CITE A FONTE.
CHERQUES, Hermano Roberto Thiry, 2022 –  A Ponte: pensar o trabalho, o trabalho de pensar – hermanoprojetos.com

Evento heurístico: a Origem inapreensível.

Epistemologia.

cosmigraphics28

A 1573 painting by Portuguese artist, historian, and philosopher Francisco de Holanda, a student of Michelangelo’s, found in Cosmigraphics: Picturing Space Through Time.

O tomar consciência (evento heurístico) não é passível de objetivação. A consciência moral (ética), a libertária (livre arbítrio), a empática (condição humana) e a estética (bom gosto) são objetos elementares da filosofia. Pertencem ao campo da reflexão especulativa.

É fato que as neurociências permitiram adicionar dados à introspecção. Mas são descrições sobre estados mentais, representações, correntes de associação que lidam com os correlatos neuronais, isto é, com os mecanismos que permitem ao cérebro exercer suas faculdades. Nada têm a declarar sobre os conteúdos da mente em si mesmos. Não cobrem, e não se vê como poderiam um dia cobrir, as questões ligadas à descoberta e à invenção.

Os conteúdos acrônicos e qualitativos da cognição são de natureza privada. É impossível os elucidar pelos meios epocais e quantitativos. A origem (lat. origo, fonte) do desvelar do oculto e do topar com o inaudito, o seu “antes”, é inapreensível. O que podemos conhecer cientificamente é o seu “depois”, a sua figura (lat. fingus, modelo), o contorno do seu efeito.

Como disse Walter Benjamin, a origem do consciente é um vórtice: a consciência não emerge da esfera dos fatos, mas da sua proto-história.

 

 

UTILIZE E CITE A FONTE.
CHERQUES, Hermano Roberto Thiry, 2021 – Evento heurístico: a Origem inapreensível. – A Ponte: pensar o trabalho, o trabalho de pensarhttps://hermanoprojetos.com/2021/11/08/evento-heuristico-a-origem-inapreensivel/

 

REFERÊNCIAS:
Benjamin, Walter (2013) Origem do drama trágico alemão. Tradução de João Barrento. Belo Horizonte. Autêntica

Heurística: Deleuze – a conceituação criativa.

Epistemologia.

1150d51434a2db71330e1ddd1401d8a0A ideia de que um físico ou um cineasta teriam necessidade da filosofia para refletir sobre equações ou sobre sequências cinematográficas é uma pretensão estúpida.

A filosofia se interessa por todos os objetos. Mas ignora como refletir sobre cada objeto. As ideias, as descobertas, as invenções pertencem a modos de expressão particulares. Um cientista, um artista e todos aqueles que detém conhecimento específico constroem seus próprios campos de reflexão.

Assim pareceu à Gilles Deleuze, para quem a filosofia tem conteúdo exclusivo: os conceitos e a sua gestação. É uma boa ideia. Contestável, mas bastante para evidenciar que o filósofo não detém conhecimentos para dizer a um cineasta o quê e como deve filmar, a um físico como deve pesquisar, a um executivo como deve dirigir uma organização. Mas tem condições de dizer que o cinema é o que conta histórias mediante blocos de movimento, que a ciência é o que cria funções – leis de correspondência entre dois ou mais conjuntos -, ou que uma organização é um conjunto de elementos díspares, que se articulam com um propósito determinado.

No que toca à heurística, é possível que a filosofia tire lições ao estudar as formas de conceituação dos atos criativos. Não que os possa apreender como tal – é duvidoso que mesmo a psicologia mais avançada um dia venha a encontrar um modelo de geração de ideias -, mas é possível que identifique na elaboração conceitual atitudes propiciatórias, como a leitura de um poema pode abrir caminho para uma teoria científica, ou como uma conjectura matemática alcança inspirar uma obra artística.

Tudo o que a filosofia tem a dizer sobre a descoberta e invenção de conceitos, é, circularmente, o próprio ato da conceituação. Essa a ideia central na obra Deleuze, que, aliás, nem é dele, mas de Heidegger.

UTILIZE E CITE A FONTE.
CHERQUES, Hermano Roberto Thiry, 2021 – Heurística: Deleuze – a conceituação criativa. A Ponte: pensar o trabalho, o trabalho de pensarhttps://hermanoprojetos.com/2021/10/13/heuristica-deleuze-a-conceituacao-criativa/
REFERÊNCIAS:
Cherques, Hermano Roberto Thiry. (2021). Heidegger – método de pensamento. Kindle edition.
Deleuze, Gilles (2003) Qu’est-ce que l’acte de création ? In, Deux régimes de fous. Org. David Lapoujade. Paris. Éditions de Minuit.

O pluralismo e o dilema trágico da moralidade.

Ética.

Marc Chagall – Entre chien et loup

Marc Chagall – Entre chien et loup

“Ou bem é preciso filosofar, ou bem não é preciso filosofar, mas é preciso filosofar para mostrar que não é preciso filosofar”.

Esse īnsolūbilis ou dilema trágico vem de Aristóteles. Antigos e de várias origens, os insolubilia se contam às centenas. Em todas as disciplinas filosóficas existem indeterminações como essa. No entanto, até o século XIX consideravam-se isentas as proposições morais. Pensava-se que os Bens genuínos são necessariamente compatíveis uns com os outros. Que os dilemas trágicos da ética deveriam repousar sobre erros de concepção ou de compreensão.

Foi Johann Gottfried von Herder (1744-1803) o primeiro a contrariar esse mito. Demonstrou duas contradições na lógica moral: i) a de que alguém deva fazer uma coisa determinada porque um bem assim o decreta e, simultaneamente, deva evitar esse ato, porque algum outro bem assim o estabelece; ii) a de que pode ser verdadeiro que alguém deva fazer uma coisa determinada porque um bem definitivo assim o exige, e, simultaneamente, deva evitar esse ato porque o mesmo bem definitivo assim o obriga.

Apesar das demonstrações de Herder, subsiste ainda hoje a negação do dilema trágico da certeza sobre valores: o īnsolūbilis de que os juízos sobre a verdade se destroem a si mesmos. Pois se afirmo que tudo é verdade, afirmo a verdade da opinião oposta, a de que nem tudo é verdade. E se afirmo que nem tudo é verdade, afirmo que essa opinião pode não ser verdade.

O pluralismo ético não resolve os insolubilia. Apenas, como Alexandre ao cortar o nó górdio, propõe superar os dilemas trágicos da certeza moral mediante a validação das posições razoáveis.

UTILIZE E CITE A FONTE.
CHERQUES, Hermano Roberto Thiry, 2021 – O pluralismo e o dilema trágico da moralidade. A Ponte: pensar o trabalho, o trabalho de pensarhttps://hermanoprojetos.com/2021/08/11/o-pluralismo-e-o-dilema-tragico-da-moralidade/
REFERÊNCIAS:
Aristóteles (2011). Obra completa; Miguel Candel. ed. Madrid. Editorial Gredos.

Berlin, Isaiah (1982). Herder e o Iluminismo. In Vico e Herder. Tradução de Juan Antônio Gili Sobrinho. Brasília. Editora da Universidade de Brasília.

NOTAS: A Face Oculta do Parecerista.

Notas.

Nesse artigo exponho discussões éticas sobre o processo de avaliação de mérito de trabalhos científicos. O sistema de revisão cega pelos pares em periódicos, partindo do debate sobre as pressões para publicação presentes na comunidade acadêmica de Administração no Brasil.

Clique aqui para ler o artigo na íntegra.

UTILIZE E CITE A FONTE.
Dilthey, Wilhelm; Introduction a l’etude des sciences humaines: essai sur le fondement qu’on pourrait donner a l’etude de la societe et de l’histoire ; Paris: Presses Universitaires de France, 1942.

__________ ; La esencia de la filosofia; Buenos Aires; Losada; 1952

 

EPISTEMOLOGIA: Retorno à Aristóteles.

Epistemologia.

De Aristóteles conservamos as ideias de que em todo objeto há algo imutável – sua essência – e elementos que se modificam – os acidentes.

Conservamos a ideia de que existem formas artificiais, como é o caso de uma estátua; naturais, como a alma; substanciais, como o corpo; acidentais, como a cor; inerentes, como a matéria; e exemplares, como em uma maquete.

Mas abandonamos a prática de procurar obsessivamente a essência das coisas e a compulsão de classificar rigidamente as formas em que os objetos se apresentam.

Conservamos a ideia de que existem categorias – conceitos unívocos – do pensamento: aquilo que tem a ver com as coisas, os tamanhos, as características, os relacionamentos, os locais, o tempo e o estado; com o ter, o fazer e o sofrer.

Mas levantamos dúvidas quanto estas categorias serem excludentes entre si, e sobre a possível existência de outras categorias.

De Aristóteles conservamos a ideia de que as relações entre o sujeito e o predicado de uma proposição obedecem a quatro tipos: a definição, que é conversível e essencial; a propriedade, que é conversível e não essencial; o gênero, que é não conversível e essencial e o acidente, que é não conversível e não essencial.

Mas não mantemos que inexistam outras predicações e predicações interpoladas.

Conservamos a evidência de que dirigimos nossa atenção em primeiro lugar ao que é passível de mudança. Por isto, seguimos afirmando a existência de uma natureza humana e nos atribuindo um potencial igualmente grande para experimentar tanto a tristeza quanto a felicidade, tanto entusiasmo quanto tédio.

Mas discordamos amplamente sobre o que venha a ser a natureza humana e se esta natureza é neutra e universal.

De Aristóteles, conservamos a ideia de que a razão prática procura determinar o melhor fim para agir. Isto é, que a ação racional consiste não em determinar os meios para um fim dado (instrumentalismo), não em fundamentar-se em leis eternas (normativismo), mas em encontrar o propósito (o fim) mais razoável para a ação.

Mas aceitamos uma gama imensa de visões acerca da interferência do tempo e das circunstâncias sobre o ser humano.

Esta posição preserva outra ideia de Aristóteles: a do domínio do contingente nas nossas ações efetivas.

UTILIZE E CITE A FONTE.
Aristóteles (1982). Obras. Madrid. Aguilar de Ediciones: Ética a Nicômaco, 1112-31; Tópicos. 1, 4, 101b e ss.; Sobre el alma.

EPISTEMOLOGIA: A academia – entre o medo e a angústia.

Epistemologia.

Edvard Munch – Anxiety 1894

As desavenças entre o positivismo e o historicismo, que aborreceram o final do século passado, levaram os saberes instituídos à um estado de perplexidade.

Por mais que tenham sido debilitados, nem o positivismo veio à óbito, nem a anunciada morte do historicismo ocorreu. Ao contrário. Um e outro partido seguem regurgitando suas frágeis razões.

Náufragos em meio à tormenta, os praticantes nas ciências sócio-humanas se equilibram em uma dinâmica que oscila entre o medo e a angústia.

O medo faz com que tentem validar a reflexão na positividade descarnada dos fatos e dos experimentos. Contraditoriamente, faz com que procurem refúgio na linhagem que vem do Círculo de Viena e que deveria ter terminado em Wittgenstein, ou, no máximo em Quine.

A angústia, no sentido de Kierkegaard, de aperto, de estreitamento, faz com que se aferrem à filosofia com sua carga histórica. Simultaneamente, faz com que a neguem, aderindo à linhagem que procede de Nietzsche e que chega aos que procuram conciliar uma teoria geral do Ser com o cotidiano das existências.

A dialética da angústia e do medo deixa sequelas. Entre elas o abandono da reflexão sobre questões insolúveis, como a das singularidades, a das formas, e a do acaso.

O que é inquietante.

Aquele que deixa de procurar o inencontrável e de pensar no insolúvel está fadado claudicar entre a mera constatação e o reencontro com o já sabido.

UTILIZE E CITE A FONTE.

ÉTICA: Limites do discernimento ético.

Ética.

No Ocidente, os preceitos de ordem moral remetem a duas fontes cardeais. Uma advém da reflexão sobre a experiência vivida na Grécia clássica, se apoia na racionalidade e se organiza na filosofia. Outra, decorre da hierarquia de valores tirados da experiência do povo judeu e distorcidos pela Igreja cristã ao se autodeclarar verus Israel.

Justificado pelo duplo conjunto de preceitos acima, o acadêmico moralista se concentra na formatação dos gestos, dos ritos e dos lugares-comuns da sociedade. O viés do acadêmico é o de, quando a moral contraria a ética, pensar que se deve tomar o lado da ética, isto é, restaurar a moralidade convencionada.

Já o filosofo tenta ajustar a lógica moral ao que se passa na cultura viva. Procura evidenciar os gestos, ritos e lugares-comuns nocivos da sociedade da sua época. O viés do filósofo moralista é o de, no caso em que a moral contraria a ética, procurar reconstruir a ética conforme seu tempo e circunstância.

Os acadêmicos estão longe demais da articulação entre os elementos informes que regem o convívio contemporâneo. Os filósofos estão perto demais de questões como a da eutanásia, da corrupção, do aborto, do ateísmo, da desobediência civil, ….

Essa distância e essa proximidade viciam o discernimento ético.

UTILIZE E CITE A FONTE.