Fontes da Filosofia moral – O pragmatismo de William James.

Ética.

Uma ocorrência na vida de William James fez com que encontrasse uma alternativa às éticas categóricas. Acometido de “vertigem intelectual” ao interpretar um poema de Walt Whitman, James deu-se conta de que duas disposições do nosso espírito poderiam guiar a conduta moral. Uma dogmática e canônica: a crença no transcendente que está além da vida. Outra, pragmática e verificável: a verdade de que transcende a vida particular, que está além de nós mesmos.

Sobre o segundo modo de ver, James desenvolveu uma agenda que denominou de “melhorismo”. Um termo infeliz para um conteúdo inteligente. O argumento era que no “fluxo das experiências” não há, nem pode haver valores morais válidos definitivamente. Segue-se que a moral deveria se fundar na escolha entre possibilidades. De sorte que a “salvação do mundo” consistiria em uma opção auto orientada, focada no futuro, segundo o que se considerasse o melhor para todos.

Continuar lendo

Heráclito – O fogo do compreender.

Perplexidades.

Ou bem tudo é mudança e nada continua como antes, ou bem algo permanece e a mudança é acidental. A terceira possibilidade excluída, onde fundar o conhecimento?

A questão, levantada por Heráclito, é categórica. É certo que as águas do rio são sempre diferentes. Mas o que define o rio? As águas ou o leito? Se são as águas, então não é sempre o mesmo rio. Se é o seu leito, então é sempre o mesmo. Se são ao mesmo tempo as águas e o leito, então é e não é sempre o mesmo rio.

Heráclito, talvez perplexo pelo problema representado pelas águas do rio, propôs o fogo como metáfora da mudança.  Algo que é “… sempre vivo, que se acende é se apaga de acordo com o logos” [frag. 30]. Ou seja, o que permanece não é o rio da matéria nem as águas do percebido, mas o logos, o racional ou aquilo que está ao alcance do compreender. A constante não está nas cinzas do concluído, mas na chama sempre viva do infinitamente inquirido.

UTILIZE E CITE A FONTE.
CHERQUES, Hermano Roberto Thiry (2023). A Ponte – Heráclito – O fogo do compreender. – https://hermanoprojetos.wordpress.com/2023/06/19/heraclito-o-fogo-do-compreender/
REFERÊNCIAS.
Brann, Eva (2011). The logos of Heraclitus. Philadelphia. Paul Dry Books, Inc.
Heráclito (1982) Fragmentos. Exposição, comentários e tradução de Luis Farre. Buenos Aires. Aguillar Argentina de Ediciones. [comentários aos frag. 12, 30, 31 e 36]

Certezas da ética.

Notas.

As certezas da ética são poucas, mas a primeira é esta: é admissível sofrer e fazer sofrer apenas se for para evitar um sofrimento maior para si e para os outros.

Levi, Primo (2016). O ofício alheio. Tradução de Silvia Massimini Felix. São Paulo. UNESP
UTILIZE E CITE A FONTE.
CHERQUES, Hermano Roberto Thiry (2023). A Ponte – Certezas da ética. – https://hermanoprojetos.wordpress.com/2023/03/06/certezas-da-etica/

A heurística: Para além da opinião.

Epistemologia

As ideias que temos sobre nós e sobre o mundo percorrem um de dois caminhos: o da computação de memórias ordenadas segundo uma lógica pessoal, e o da intuição direta, como quando vemos a expressão de uma pessoa e concluímos que está triste ou preocupada.

A memória tem vida própria. Trabalha buscando o reforço do que se sabe ou se pensa saber. Já a intuição funciona como uma aeronave em modo automático. Imprime trajetórias reflexas e bloqueia estímulos aleatórios.

Tanto a memória como a intuição estabelecem nexos por similaridade, apagam itens desagradáveis, “inventam” outros sem que disso tenhamos consciência.

Cremos que as nossas operações mentais são controladas, mas a maioria das cognições procede de automatismos inconscientes. Saltamos das informações imprecisas, incompletas ou falsas paras conclusões débeis, sem fundamento. As ideias já aceitas atraem outras, em um processo iterativo de fixação.

O corolário é que a consciência tende a se ancorar no lembrado e no intuito, considerando um e outro como evidências em si mesmas.

Uma vez que tenhamos uma resposta sobre algo: seja a existência ou não de Deus, seja a racionalidade ou irracionalidade do sistema de três poderes, seja a artificialidade ou inevitabilidade da economia de mercado, seja qualquer outra convicção, passamos a acreditar que isso, sobre o que temos uma resposta condicionada, tem base empírica e fundamento lógico.

Esse mecanismo estrutura a opinião, a mais séria barreira ao exercício da faculdade heurística. Seu cancelamento é necessário para a descoberta e imprescindível para a invenção. Exige um esforço tenaz: o da substituição da autoconfiança pela dúvida sistemática. O que não é fácil. A opinião é tentadora e é aliciante porque troca o desconforto da ignorância pelo luxo da certeza.

UTILIZE E CITE A FONTE.
CHERQUES, Hermano Roberto Thiry, 2021 – A heurística: Para além da opinião. A Ponte: pensar o trabalho, o trabalho de pensarhttps://hermanoprojetos.com/2021/03/10/a-heuristica-para-alem-da-opiniao/

 

 

REFERÊNCIAS:
Brockman, John (2013) Thinking: The new science of decision-making, problem-solving, and prediction. New York. Harpers Perenial
Gilovich, Thomas, Dale Griffin, Daniel Kahneman (ed). (2002) Heuristics and biases: the psychology of intuitive judgment. Cambridge University Press.
Kahneman, Daniel. (2011) Thinking, fast and slow. New York. Farrar, Straus and Giroux

EPISTEMOLOGIA: Derrida – A atitude heurística da desconstrução.

Epistemologia.

Abed Alem

Jacques Derrida (1930-2004), filósofo terminal do século XX, filósofo inaugural do século XXI, demonstrou o esgotamento da capacidade explicativa do idealismo, da semiologia e das práticas analíticas que se fecham sobre seus sistemas pré-circunstanciados, pré-históricos, pré-conceituosos.

A “desconstrução” que inventou é uma variante da Destruktion, heideggeriana. Consiste em redesenhar criticamente o que Kuhn denominou de paradigma: o conjunto articulado de conceitos, práticas, métodos, instrumentos e técnicas que vige em uma determinada época e circunstância.

Desconstruir é rescindir uma estrutura para fazer aparecer seu esqueleto. O procedimento abandona a pretensão do conceito-signo, de ter acesso às coisas mesmas, em favor do conceito-rastro, do rastreamento do subjacente, do que foi apagado pelo tempo, pelas convenções, pelos espaços, pelas certezas.

Trata-se de uma analítica (gr. análusis, dissolver os laços) radical (até a raiz) dos conceitos e dos discursos. De deslocar os objetos, as ideias, os valores da funcionalidade estabelecida. De despolarizar dicotomias como homem/mulher, noite/dia, etc., e como o cortejo de oposições implícitas na metafísica – dentro/fora; essência/aparência; originário/derivado …

Derrida se esforçou para cunhar termos que não carregassem em si nenhuma definição precisa. “Indecidíveis”, “quase-conceitos”, que remetessem a objetos, sem darem conta de um significado fechado. Como “différance” em lugar de “différence“. Com isto, ele instaurou uma forma de ver autônoma, perturbadora, sediciosa. Um “racionalismo incondicional”, que descobre nas fraturas e incongruências do estabelecido os lapsos, os hiatos, os traços, expondo a fragilidade das significações, as cinzas das reduções, os resíduos das intenções.

Derrida inventou uma heurística a partir da identificação do inapreensível. Provou que só há “invenção” e “descoberta” quando se deixa de encontrar o que estava antecipado. Demonstrou que existem sempre e indefinidamente outras instâncias de sentido adormecidas, apagadas pela história, pela ideologia, pelo conforto da repetição. Que a única certeza é a de que não existem certezas.

 

UTILIZE E CITE A FONTE.
Derrida, Jacques (1973). Gramatologia. Tradução Mirian Schneiderman e Renato Jeanine Ribeiro. São Paulo. Editora Perspectiva

Derrida, Jacques (1991). Margens da filosofia. Tradução de Joaquim Torres Costa & Antônio M. Magalhães. Campinas. Papirus Editora.

Derrida, Jacques (2014). L'écriture et la différence. Paris. Points-Essais.  

Heidegger, Martin (2012). Os problemas fundamentais da fenomenologia. Tradução: Marco Antonio Casanova Petrópolis. Vozes.

Kuhn, Thomas A. (1989). A estrutura das revoluções científicas. Trad. Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. São Paulo. Editora Perspectiva.